Susan Souza
Marcelo Bonfá, Dado Villa-lobos, Nando Reis e outros artistas tocam no Música Urbana, evento gratuito que acontece neste sábado (10) e domingo (11) em São PauloO legado da cena de rock que se desenvolveu em Brasília durante os anos 1980 será relembrado em São Paulo, neste sábado (10) e domingo (11), no festival CCBB de Música Urbana. "O rock de Brasília colocou o rock brasileiro no mapa. Até então a gente tinha o rock contundente, muito incisivo. De repente, apareceu o rock de Brasília, com uma lucidez diferente do rock paulista", conta ao iG Philippe Seabra, vocalista do grupo brasiliense Plebe Rude.
Marcelo Bonfá
Foto: Izzy Massel
Banda Panamericana, com Dado Villa-Lobos
Foto: Leo Aversa
Nando Reis
Foto: Bruno Trindade
Plebe Rude
Foto: Divulgação
Ultraje a Rigor
Foto: Divulgação
Vespas Mandarinas
Foto: Divulgação
No evento gratuito no vale do Anhangabaú, tocam a Plebe Rude e mais protagonistas do período, como os ex-integrantes da Legião Urbana Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá. Dado se apresentará com a banda Panamericana, que conta ainda com Dé Palmeira (ex-Barão Vermelho), Charles Gavin (ex-Titãs) e o cantor Toni Platão. Bonfá tocará com o produtor musical Carlos Trilha e o cantor Paulo Ricardo (RPM). Ultraje a Rigor, Nando Reis e Os Infernais e Vespas Mandarinas são os outros nomes que se apresentarão.
O impacto da Legião Urbana
Mas por que Brasília tornou-se tão importante para o rock brasileiro a ponto de motivar a realização de um evento do porte deste Música Urbana? A resposta passa pela influência da música pop feita na Europa e nos EUA, que era absorvida pelos roqueiros brasilienses e, também, pela Legião Urbana.
"Naquele momento, entre os anos 1970 a 1990, Brasília foi realmente forte nesse segmento (de rock)", conta Dado Villa-Lobos, que, em popularidade, vê a Legião Urbana como o grupo que mais se destacou no período. "É difícil escolher uma banda, o pessoal pode ficar enciumado, mas acho que a Legião foi a maior banda que saiu de Brasília e ponto. Em termos de dimensão, de vendas, foi o grupo que mais deu certo."
Bonfá considera que a soma da poesia das letras de Renato Russo ao momento vivido pelo Brasil nos anos 1980 reforçou a importância que a Legião Urbana teve na cena musical de Brasília e, consequentemente, em todo o País. "A gente tinha um baita de um poeta na banda. Juntou tudo e deu no que deu. Um poeta como ele, que era uma pessoa muito especial, inteligente, intuitiva, naquele momento, aquilo teve um poder no rock."
Sem ter pertencido ao movimento de Brasília, mas muito influenciado por ele, Chuck Hipolitho, do Vespas Mandarinas, destaca a importância de como as novidades chegavam aos jovens daquele período. "Teve um 'contrabando' de informação, gente que tinha contato com a cultura de fora do Brasil, porque era filho de embaixador, que trazia novidades de fora em uma época em que não existia internet. Era uma galera que se ligava em arte. Acho que tudo isso fez do rock de Brasília uma coisa única."
O produtor musical Carlos Trilha, que produziu discos solo de Renato Russo e está na curadoria do festival, relembra o período. "(O Renato Russo) foi atrás (de informação) e achou seu próprio jeito de fazer música e cultura. Eles criavam os lugares para tocar. Tocavam na rua em frente a uma lanchonete. Isso deu o isolamento, criou uma diferenciação do resto da música que estava sendo feita no Brasil." Para se inspirar, Renato Russo ouvia bandas estrangeiras como Sex Pistols, The Beatles, The Smiths e Joy Division.
O legado do rock de Brasília
"A próxima cena (musical) sempre vem com as novas gerações, mas, às vezes, nem se percebe. Dificilmente se repetirá da forma que foi, o mundo é outro", diz o produtor musical Pena Schmidt, que trabalhou em discos como "Cabeça Dinossauro", dos Titãs, e produziu a gravação ao vivo do álbum "Rock Brasília", gravado em 1987, em Brasília, com grupos menos conhecidos fora da capital federal, como Marciano Sodomita, 5 Generais e Habeas Corpus.
"(O festival) fala sobre a música de Brasília, antes se falava datado nos anos 1980. A Legião foi muito influente, colocou Brasília mais no mapa", diz o ex-Legião Urbana Marcelo Bonfá. Há mais de 20 anos morando no Rio de Janeiro, o músico destaca o Móveis Coloniais de Acaju como um grupo de Brasília com o qual teve um breve contato e gostou, apesar de andar "muito afastado" da atual cena musical de Brasília.
Dado Villa-Lobos acredita que "hoje em dia (o rock de Brasília) se perdeu um pouco", mas afirmar gostar do trabalho do grupo alternativo Sexy Fi. "Eles falam de Brasília de um jeito que a gente também falava, como a cidade é, como se sentem lá. Vejo que a coisa andou, tem um lado bacana."
Antiga capital do rock
Atualmente, a capital do País não é mais um expoente de rock tão intenso quanto foi nos anos 1980 a 1990. "Brasília hoje disputa com Goiânia para ser uma cidade relevante no rock do Centro Oeste. A cena se dissolveu entre muitas cidades pelo Brasil todo", observa o produtor Pena Schmidt.
"A coisa se perdeu dos anos 1990 para cá. A música hoje não tem tanto conteúdo quanto naquela época", afirma o baterista Marcelo Bonfá.
Para o integrante da Plebe Rude Philippe Seabra, aquele período de ouro "já foi". "Agora, Brasília é uma cidade como outra qualquer, com seus problemas de violência e trânsito, e já foi o berço do rock mais sério, na época da Plebe e da Legião, que foram as bandas que fizeram sucesso naquela época."
Chuck Hipolitho, do Vespas Mandarinas, diz que "não existe nenhuma cidade que seja mais rock and roll no Brasil". "Brasília, por ser uma cidade estranha e construída de concreto, assim como São Paulo, são duas metrópoles que incentivam a selvageria do rock, incentivam a juventude a responder com rock."
Histórico do movimento
O "rock de Brasília" teve origem no final dos anos 1970, tomando proporções gigantes nos anos 1980 com grupos que quebraram as barreiras alternativas a atingiram rádios, TVs, jornais e revistas em uma era pré-internet.
Influenciados por grupos estrangeiros de punk, que primavam por letras de protesto, arranjos simples, atitude e o estilo "faça você mesmo", grupos nacionais como Plebe Rude, Capital Inicial e Legião Urbana chamaram a atenção para o cenário do planalto central. Nos anos 1990, o rock brasiliense continuou com grupos de grande amplitude, como os Raimundos, e menores, como o Little Quail.
Politicamente, o Brasil transitava da ditadura à redemocratização, vivenciando períodos de manifestações como o movimento das Diretas Já. O conflitante caldo político nacional somado à influência do movimento punk, o isolamento de Brasília e o interesse pela arte levou os jovens locais a formar suas próprias bandas.
A temática foi pauta de documentários como "Rock Brasília - Era de Ouro", dirigido por Vladimir Carvalho, "Geração Baré-Cola - Usuários de Rock", de Patrick Grosner - que fala do rock de Brasília já nos anos 1990-, além de filmes inspirados no legado da Legião Urbana, como "Faroeste Caboclo" e "Somos Tão Jovens".
Além de Brasília, outras cidades desenvolveram uma forte cena de rock nacional nos anos 1980, como São Paulo (Titãs, Ultraje a Rigor, Ira!), Rio de Janeiro (Os Paralamas do Sucesso, Barão Vermelho, Cazuza, Kid Abelha) e Porto Alegre (Engenheiros do Havaii, Nenhum de Nós, Os Replicantes).
Festival CCBB de Música Urbana
Vale do Anhangabaú, centro de São Paulo, entrada gratuita
Sábado, dia 10:
15h - Vespas Mandarinas
17h - Panamericana (Dado Villa-Lobos, Dé Palmeira, Charles Gavin e Toni Platão)
19h - Ultraje a Rigor
DJ set: Tatá Aeroplano
Domingo, dia 11:
15h - Plebe Rude
17h - Marcelo Bonfá convida Paulo Ricardo e Carlos Trilha
19h - Nando Reis e os Infernais
DJ set: Maurício Valladares
* Com colaboração de Letícia Drewanz