Susan Souza
Cantora, que lança o disco "Are We There" na próxima segunda-feira, conversa com o iG sobre melodias densas, letras biográficas e a influência de Nova York na carreira artísticaA foto da capa de "Are We There", quarto disco de estúdio da cantora Sharon Van Etten, foi tirada pela própria artista. A imagem mostra Rebecca, sua melhor amiga (que poderia ser confundida com Sharon na foto), dirigindo um carro por uma estrada no interior dos Estados Unidos.
Com a janela aberta, cabeça inclinada para fora, usando óculos escuros e os cabelos bagunçados pelo vento, Rebecca transparece leveza. "Com certeza, nesse disco eu quis retratar uma sensação de liberdade. Estava me sentindo muito bem, foi uma época de transição", conta Sharon ao iG.
A amiga já apareceu em outras capas, mas como a responsável pelas artes que estampam "Because I Was In Love" (2009) e "Epic" (2010), os primeiros dois discos de Sharon. No terceiro trabalho, "Tramp", o público pode ver o rosto pleno da cantora, pela primeira vez, além de ter sido o álbum que a projetou dentro e fora da cena alternativa.
A cantora Sharon Van Etten
Foto: Dusdin Condren/Divulgação
A cantora Sharon Van Etten
Foto: Divulgação
A cantora Sharon Van Etten
Foto: Divulgação
A cantora Sharon Van Etten
Foto: Divulgação
A cantora Sharon Van Etten
Foto: Divulgação
Em "Are We There", que será lançado oficialmente na segunda-feira (dia 26) pelo selo Jagjaguwar, a escolha da foto reforça a autoconfiança que Sharon vem desenvolvendo. "Estou mais segura do que nunca, sinto que tenho mais controle sobre minha carreira. Tudo o que gostaria de conquistar, estou conseguindo."
"Que se dane, vou me arriscar"
Aos 33 anos, compondo intensamente desde os 23, a cantora nascida em New Jersey, nos EUA, viu despertar as aptidões musicais ao cantar, quando criança, em coral de igreja. Posteriormente, passou a cantar com o grupo musical do colégio, época em que também aprendeu a tocar guitarra.
Incentivada por amigos, profissionalizou-se em Nova York, cidade que escolheu para morar há 10 anos. Sharon saiu do Brooklyn, região conhecida por ser a preferida de muitos artistas independentes, para viver em Manhattan, onde está desde novembro de 2013, por ter encontrado "melhores ofertas de aluguel", conta a cantora, demonstrando ter os pés firmes ao chão.
"Tentei me mudar para Williamsburg (no Brooklyn), que é onde muitos amigos moram, mas está mais barato viver em Manhattan agora. Williamsburg se transformou em algo que não é mais real, não é mais um bairro de artistas. Claro que continua legal, eu ainda frequento, mas quero ter uma casa e a opção de ir ao Brooklyn quando quiser, e saber que posso morar em um lugar que consigo bancar."
Longe de soar deslumbrada com o crescente sucesso, ainda que tenha apresentações confirmadas em grandes festivais europeus como o Primavera Sound, na Espanha, e uma extensa turnê norte-americana, Sharon relembra o período em que se dividia entre empregos normais e, paralelamente, tentava a carreira artística.
De 2004 em diante, estabelecida em Nova York, a cantora chegou a trabalhar na Astor Wines (loja de bebidas) e foi estagiária em uma gravadora (Ba Da Bing Records)."Minhas oportunidades de shows começaram a ficar mais consistentes do que o meu trabalho normal. Então pensei: 'Que se dane, vou me arriscar'."
A escolha provou-se acertada: "Sinto que foi tudo muito orgânico. Comecei a viajar bastante e eu mesma marcava os meus shows. Toquei tanto em Nova York que comecei a construir algo por lá", relembra.
Prolífica a partir do momento em que começou a acreditar em si mesma, Sharon entregou quatro discos de estúdio ao longo de cinco anos - "Because I Was In Love" (2009), "Epic" (2010), "Tramp" (2012) e o novíssimo "Are We There" (2014).
"Meu coração ficou um pouco mais resistente"
Sharon considera que teve "muita sorte" no momento em que decidiu acreditar em Nova York. "Fui muito sortuda. Encontrei pessoas que não são competitivas, mas sim acolhedoras." Entre elas está o músico Kyp Malone (da banda TV on the Radio), com quem desenvolveu importante amizade.
Sharon e Kyp se conheceram em um show que ele fez para abrir a banda de soul psicodélico Celebration, de Baltimore. "Na época, lembro que olhei o flyer do show, vi o nome dele e percebi que o Kyp era irmão do meu amigo do colégio."
Kyp gostou das músicas intimistas de Sharon, escritas após o término conturbado de um relacionamento que a isolou - geograficamente e artisticamente - no Tennessee. A intensidade dos sentimentos de quando ela decidiu voltar à casa dos pais serviu como pólvora para que disparasse os angustiantes e honestos versos de sua estreia.
"Tinha acabado de voltar para New Jersey e estava revendo meu passado, tentando me reencontrar." Kyp Malone frequentava a cidade para visitar familiares, o que ajudou a reforçar a amizade entre os músicos. "Ele é muito verdadeiro, tem um coração de ouro."
Além de Kyp, Sharon encontrou outras pessoas dispostas e interessantes, com as quais desenvolveu boas parcerias como em seu disco "Tramp", co-produzido e gravado por Aaron Dessner, principal compositor do grupo The National.
"Are We There"
Em seu novo trabalho, a cantora está mais suave, nitidamente mais confiante e sedutora, mas nem por isso menos densa. Os sentimentos ainda transbordam dos versos que lembram a melancolia dos primeiros discos de Chan Marshall (Cat Power), a força de Nina Simone e a visceralidade de PJ Harvey.
O resultado é algo entre o folk e o pop, com os vocais macios que são característicos, agora ainda mais maduros e ácidos, como na desafiadora faixa "Taking Chances". Na música, a cantora adota um tom colorido leve para seu padrão. "Até eu estou me arriscando por você", canta na letra.
"Minha música é autobiográfica, acompanha minha vida e eu estou crescendo. Quando comecei a tocar, tinha 23 anos, sinto que cresci bastante nos últimos 10. Em relação à minha vida, meu coração ficou um pouco mais resistente. Por eu escrever coisas tão pessoais isso é meio que uma conquista", analisa.
A produção do novo trabalho é de Sharon em parceria com Stewart Lerman (que já produziu St. Vincent e Regina Specktor), com participação de amigos como Dave Hartley e Adam Granduciel (War on Drugs), Jonathan Meiberg (Shearwater), Jana Hunter (Lower Dens) e outros.
"Já chorei no meio de algumas músicas"
As letras de Sharon Van Etten levam o ouvinte a um canto quieto da mente, onde é permitido refletir sobre o fracasso das relações humanas. A densidade biográfica é tamanha que, a princípio, a cantora levou cinco anos para aceitar que queria compartilhar sua intimidade com o público.
"Eu não sabia se queria mostrar algo que era tão pessoal para mim. Amo música, amo compor, mas não tinha certeza se queria que me ouvissem." Sharon conta que, às vezes, tem dificuldade para lidar com o próprio repertório, porque as lembranças desagradáveis acabam sendo revividas durante os shows.
"Já chorei no meio de algumas músicas, porque elas são realmente pesadas, são pessoais, emotivas. Mas é por isso que eu as escrevo, por isso que compartilho e que as pessoas se conectam a elas. Às vezes, pode ficar bem difícil e eu vou chorar, mas sempre vou encontrar um lugar para me curar depois."
Situação semelhante chegou a acontecer com outras cantoras com tendências autobiográficas, como, por exemplo, Cat Power, que evitou o reencontro com as canções do começo da carreira durante muitos anos.
"Quando componho, não é necessariamente para fazer um disco, mas é o meu jeito de criar, vou colocando os acordes, ouço depois de um tempo. Se eu sentir que uma música tem uma ideia universal, então compartilho com todo mundo." Enquanto o amor e seus desencontros forem universais, as músicas de Sharon Van Etten nunca deixarão de fazer sentido. Sorte nossa.